O dinossauro não dorme

Estava naquele bar já havia algumas horas. Tal o estava que não sabia quantas exatamente.

Tomei outro gole. Bati o copo vazio na mesa, como que pedindo mais uma garrafa. Ouvi o arrastar de pés, como se alguém se aproximasse. Cabisbaixo, vi um vulto que parecia ser pernas; permaneci na minha absorção, quase que escondendo o rosto.

A bebida era como um alienígena dos filmes americanos: me abduzia, fazia-me inconsciente, me usava como quisesse e apagava todas as lembranças a respeito do que tivesse acontecido. Seja lá o que fosse, eu não poderia saber nada, só supor.

As pernas do vulto ao meu lado se viraram e foram embora. Não consigo determinar se a pessoa estava em forma de vulto porque o bar era escuro ou por causa de toda a bebida que eu tomava… mas não passava de um vulto!

Quando ergui os olhos procurando o copo, ele estava cheio. O vulto deve ter provido. De vagar peguei o copo e o fui levando à boca, mas os alienígenas me devem ter tirado pedaços do cérebro – eu não conseguia dominar nada de mim. Preferi devolver o copo à mesa.

Comecei a fitá-lo de modo a interrogar por que o seu conteúdo me deixava naquele estado. Ele não disse nada. Mantive os olhos – eram a única coisa que ainda controlava e para compensar eles não definiam nada do que viam e só tive certeza de que aquele era o copo quando ele me piscou um brilho de reflexo. Não achava ele mau, nem bom, mas me inspirava uma curiosidade… um mistério… o poder que ele tinha de fazer a um homem aquela façanha, de o anular quase completamente, e às vezes completamente! Gostei dessa ideia e pensei que devia tomar cuidado.

Não senti quanto tempo se passou até que o mesmo vulto com aqueles pés – eu reconhecia pelo compasso – se aproximou. Não para abastecer o copo vazio, mas para me evacuar do seu estabelecimento. Ia fechar o bar eu devia ir embora. Falou mais algumas coisas que eu não ouvi e saiu. Voltou, falou mais – quase lhe disse que não precisava se desperdiçar, pois eu não estava ouvindo, mas deixei falar, o bar era dele. E agora me ajudava a levantar – na verdade fez a maior parte do trabalho de levantamento, quem ajudou fui eu.

Enquanto ia deixando a cadeira, virei-me e vi o copo. Oscilei por sobre meus pés, pendi para a direção da mesa e tombei sobre ela. Peguei o copo e virei… Aventurei-me a pensar no fenômeno que se passava comigo: as pernas… a cabeça… o corpo… ai, a cabeça… Quando dei por mim já estava lá fora, na rua, a porta do bar baixando, tinha um poste atrás de mim, me assustei, mas quando soltei dele fui para o chão.

Caminhando, estava pesado, inteiramente imerso dentro de mim, mas sem nada distinguir. Minha mente só sentia o meu corpo, as sensações físicas, o ar que eu inspirava, o chão em que eu pisava, uma brisa que me tocava os braços ou o rosto, o ar que eu expirava, o sangue latejando nas têmporas, a garganta…

A esta altura, já estava distante do bar. Minhas pernas faziam um bom trabalho, eu nem notava o trajeto. Pisei em algo e uma sensação me subiu pelo pé, pela coxa, a barriga, o peito, o pescoço, a nuca, até a pele da cabeça… Mirei para ver o que era. Uma poça d’água! A água fez-me de fato aquelas sensações. Custei a acreditar no seu poder. Lembrei do copo poderoso na mesa.

Agora estava em frente à minha casa. Bati a testa na porta, o procurando aconchego que tem a própria casa.

Aborreci-me com a tarefa de destrancar a porta… Quando entrei, logo em frente vi o sofá e, no meio desse ato, meu corpo passou a pesar o dobro. Meu sofá nunca pareceu tão agradável. Deitei.

Nesse momento minha cognição passou a funcionar. A noite entrava pela janela lateral; pensei nas suas estrelas… na sua atmosfera… no seu silêncio… no seu conforto… Meu espírito se aliviava. Ele queria sentir a tranquilidade que finalmente se fizera a minha volta.

O alívio foi tal, que comecei a lembrar d…

Procurei esquecer!

Os pensamentos corriam, se empurravam, se pisavam, se escalavam uns nos outros, disputando a minha cabeça… Foi isso a noite toda.